A produção terapêutica é um processo estritamente controlado com múltiplos passos para seguir, que demandam o monitoramento cuidadoso e sensível de contaminantes para garantir segurança, potência e consistência de lote para lote. Diferentes vírus e bactérias representam ameaças de contaminação durante o desenvolvimento de terapias baseadas em anticorpos, contudo, um dos contaminantes mais frequentes é Mycoplasma, um microrganismo comum e difícil de remover em culturas de células.
A maioria dos contaminantes são introduzidos durante a etapa de upstream, nos estágios de produção, o que depende muito dos experimentos baseados em cultura de células. Consequentemente, a contaminação pode passar indetectável durante os estágios primários, quando pode potencialmente se propagar através de todo o ciclo produtivo. Além disso, como Mycoplasma é onipresente no ambiente, a contaminação não é restrita durante as fases de upstream, podendo também contaminar a proteína durante a purificação (DiPaolo et. Al. 1999). Portanto, é necessário e de extrema importância que um screening da contaminação final seja realizado antes que cada novo lote seja envazado e liberado.
Tradicionalmente, a PCR quantitativa (qPCR) tem sido usada para detectar contaminações frequentes, como por Mycoplasma (Nikfarjam e Farzaneh 2012). Enquanto este é um método rápido e sensível se comparado à cultura de células, é impreciso e comumente entrega resultados falso positivos. Consequentemente, desenvolvedores terapêuticos tem migrado para a PCR Digital em Gotas (ddPCR) apostando em um método mais preciso e sensível para detecção de contaminantes. Além disso, a tecnologia de ddPCR reduz a taxa de falso positivos e, portanto, ajuda a reduzir custos com repetição de testes.
Os benefícios da ddPCR para detecção de Mycoplasma
Detectar contaminação por Mycoplasma o mais cedo possível é importante para evitar estratégias de mitigação de riscos mais caras quando já se está em um estágio mais avançado de produção. Testes baseados em qPCR podem entregar resultados em um dia e por isso tem frequentemente substituído testes baseados em cultura de células (Jean et al. 2017). Porém, os ensaios de qPCR mais difundidos para Mycoplasma se baseiam em SYBR, que é conhecida por gerar sinais não específicos e baixa resolução em inputs de DNA muito baixos (<10 cópias). Adicionalmente, a leitura da qPCR é pelo ciclo de quantificação (Cq), definido como o número de ciclos de PCR necessários para o sinal de fluorescência ultrapassar o threshold. Quanto mais baixo o Cq, maior a concentração do DNA de entrada. Semelhantemente, um valor alto de Cq indica uma baixa concentração de DNA de entrada. No entanto, devido a erros inerentes da amplificação na PCR, pode ser desafiador determinar se o sinal positivo em Cq altos resulta de baixa quantidade de DNA alvo ou de amplificações não específicas (como formação de dímeros de primers), portanto, produzindo um falso positivo.
A relação cópias de gene:unidades formadoras de colônia de Mycoplasma (em inglês – gene copy:colony forming unit [GC:CFU]) é usada para distinguir DNA genômico livre (gDNA) de DNA de células viáveis. Essa relação muda de acordo a taxa de crescimento e variabilidade das condições de cultura, então determinar acuradamente a relação GC:CFU requer a quantificação absoluta de cópias de genes de Mycoplasma por poço – GC/well (GCW). Isso não é possível com a qPCR, a menos que seja feito uma curva padrão, o que reduz o número de amostras por placa.
Os principais benefícios da PCR Digital em Gotas são a capacidade de oferecer quantificação absoluta sem curva padrão e não ser dependente da eficiência da amplificação. Cada reação em bulk é particionada em dezenas de milhares de gotas formadas com a emulsão de água/oléo, fazendo com que cada gota seja uma reação individual de nanolitros, contento 0, 1, 2… N cópias do template de DNA. A detecção corre através de sondas fluorescentes, que produzem um sinal específico quando a sequência alvo de DNA, nesse caso, um trecho de genoma de Mycoplasma, é amplificada. Ao final da termociclagem, cada partição é identificada como 0, ou seja, não contém DNA, ou 1, contendo pelo menos 1 cópia de DNA.
O número de templates de DNA de entrada é então calculado usando a fórmula simplificada da distribuição de Poisson. A estatística da distribuição de Poisson fornece uma maneira fácil de calcular o número absoluto de moléculas de DNA iniciais na reação, com precisão, acurácia e sem a necessidade de curva padrão (Basu 2017). A combinação do uso de primers e sondas específicas para Mycoplasma aumenta a especificidade e reduz a incidência de falso positivos comparado à qPCR.
O resultado da ddPCR é expresso em cópias/uL e a natureza digital da técnica exclui a variabilidade na eficiência da amplificação.
A quantificação absoluta de cópias de gene por reação através da ddPCR também permite o cálculo direto da relação de GC:CFU para cada cultura de Mycoplsama. Uma vez que os testes de Mycoplasma precisam ser realizados regularmente para minimizar o risco de contaminação, múltiplas placas são necessárias para atender o número de amostras e replicatas requeridas para qPCR. Este não é um requisito para ddPCR, porque replicatas e curva padrão não são necessárias, o que permite testar mais amostras por placa.
Migrando os ensaios da qPCR para PCR Digital em Gotas (ddPCR)
Wu e colaboradores (Wu et al. 2020) demonstraram recentemente a sensibilidade superior da ddPCR comparada à qPCR, para detectar e quantificar gDNA purificado e diluído de duas espécies de Mycoplasma. Utilizando o kit Vericheck ddPCR Mycoplasma Detection da Bio-Rad Laboratories, Inc (catálogo #12013126), os pesquisadores demonstraram um limite de detecção 10 vezes menor com a ddPCR comparada à qPCR (<10 cópias/poço e 10 CFU/mL), o que foi altamente reprodutível entre operadores, instrumentos e rotinas diferentes.
Em um estudo semelhante, os cientistas da Bio-Rad atingiram consistentemente baixos limites de detecção usando ddPCR para três espécies: Acholeplasma laidlawii (4.19 GCW), Mycoplasma pneumoniae (6.29 GCW) e M. hyorhinis (5.63 GCW) (Scherr et. Al. 2018, não revisado por pares). Além disso, seus ensaios não tiveram reação cruzada com outros três patógenos comuns, demonstrando a sensibilidade e especificidade da ddPCR para detecção de Mycoplasma.
Conclusões
Esses resultados fornecem um ponto de partida para migrar testes da tecnologia de qPCR para ddPCR para detecção de contaminantes durante o desenvolvimento terapêutico. Garantir a segurança e a produção consistente de lote para lote requer uma tecnologia sensível e precisa. A PCR Digital em Gotas transforma um método tradicionalmente qualitativo em um método quantitativo sensível, preciso e reprodutível, que detecta com especificidade e acurácia baixas concentrações de Mycoplasma e facilita o cálculo GC:CFU.
O kit Vericheck ddPCR Mycoplasma Detection, que inclui química baseada em sondas, controles e outros reagentes necessários, pode ajudar fabricantes a aprimorar a detecção desse microrganismo para uma produção terapêutica mais ágil e robusta.
Referências
Basu AS (2017). Digital assays part I: Partiotioning statistics and digital PCR. SLAS Technol 22, 369-386.
DiPaolo B et al. (1999). Monitoring impurities in biopharmaceuticals produced by recombinant technology. Pharm Sci Technol Today 2, 70-82.
Jean A et al. (2017). Assessing Mycoplasma contamination of cell cultures by qPCR using a set of universal primer pairs targeting a 1.5 kb fragment of 16S rRNA genes. PLoS One 12, e0172358.
Nikfarjam L and Farzaneh P (2012). Prevention and detection of Mycoplasma contamination in cell culture. Cell J 13, 203-212.
Scherr M et al. (2018). Vericheck ddPCR Mycoplasma detection kit: Probe-based Mycoplasma detection to reduce false-positive results. Bio-Rad poster (not peer reviewed).
Wu et al. (2020). Transitioning from quantitative PCR to Droplet Digital PCR for Mycoplasma detection. Bio-Rad Bulletin 7427.
Adaptado de: Switching from qPCR to ddPCR Technology for Impurities Testing | Bio-Rad